Muitos e muitos brasileiros tem saído da Igreja Católica Romana para as igrejas reformadas e nunca foram instruídos nas diferenças cruciais entre a teologia das duas igrejas e as razões pelas quais os reformadores saíram do romanismo. Há quem pergunte, inclusive, se a Reforma continua sendo importante.
As teses defendidas pela Reforma continuam sendo pertinentes aos nossos dias pois a igreja de Roma não mudou e porque muito da igreja evangélica se parece com Roma hoje. Vejamos apenas alguns pontos pregados pelos Reformadores e a sua aplicação presente:
1. A Reforma resgatou o conceito de pecado (Rm ). A venda das indulgências pelo romanismo o perdão de pecados concedido pelo papa mediante uma soma de dinheiro mostra como o conceito do pecado estava distorcido na ocasião da Reforma do séc. XVI. A igreja romana havia se desviado totalmente da visão bíblica de que pecado é uma transgressão da Lei de Deus e que exige a punição do transgressor. A essência do pecado foi banalizada a ponto de se acreditar que o perdão podia se efetivar pelo dinheiro. Ao se insurgir contra as indulgências, Lutero estava, na realidade, reapresentando a mensagem da Palavra de Deus sobre o homem, seu estado, suas responsabilidades perante o Deus Santo e Criador e sua necessidade de redenção. A igreja romana não mudou esses conceitos e mesmo entre os evangélicos se ouve que pecado é um conceito relativo e ultrapassado; que o que importa é a felicidade pessoal e não a observância de princípios.
2. A Reforma pregou a doutrina da justificação somente pela fé (Gl ). A igreja de Roma havia distorcido o conceito da salvação, pregando abertamente que a justificação se processava por intermédio das boas obras de cada fiel. Lendo a Palavra, Lutero verificou o quão distanciada essa pregação estava das verdades bíblicas a salvação é uma graça concedida mediante a fé e as boas obras não fornecem a base para ela; mas apenas a evidenciam e são subprodutos dela. A salvação procede da infinita misericórdia de Deus para com o homem pecador. Além do romanismo continuar ensinando a salvação por obras, igrejas que se dizem evangélicas ensinam a justificação perante Deus através do envolvimento em ações de cunho social, prática de usos e costumes, cumprimento de deveres religiosos etc.
3. A Reforma resgatou o conceito da autoridade vital da Palavra de Deus (2Pe ). Na ocasião da Reforma, a tradição da igreja romana já havia se incorporado aos padrões determinantes de comportamento e da doutrina e, na realidade, já havia abandonado as prescrições das Escrituras. A Bíblia era conservada distante e afastada da compreas massas. Os Reformadores redescobriram e levantaram bem alto o único padrão de fé e prática: a Palavra de Deus e, por este padrão, aferiram tanto as autoridades como as práticas religiosas em vigor. Infelizmente a igreja evangélica está voltando a enterrar o seu padrão em meio a um entulho místico pseudo-espiritual. No campo evangélico neopentecostal a suficiência da Palavra de Deus é desconsiderada e substituída pelas supostas novas revelações, que passam a ser determinantes das doutrinas e práticas do povo de Deus.
4. A Reforma redescobriu na Palavra a doutrina do sacerdócio individual do crente (Hb ). Essa doutrina apresenta a pessoa de Cristo como único mediador entre Deus e os homens, concedendo a cada salvo acesso direto ao trono por intermédio do sacrifício de Cristo na cruz e pela operação do Espírito Santo no homem interior. Lutero rebelou-se contra o véu de obscuridade que a Igreja lançava sobre as verdades espirituais e levou os fiéis de volta ao trono da graça. Isso proporcionou uma abertura providencial de conhecimento teológico e religioso. Lutero sabia disso, mas sabia também que o acesso a Deus deveria estar fundamentado nas verdades da Bíblia, tanto que um de seus primeiros esforços, após o rompimento com a Igreja Romana, foi a tradução da Palavra de Deus para a língua falada em seu país: o alemão.
5. A Reforma apresentou, de forma clara e inequívoca, o conceito da soberania de Deus (Salmo 24). Na ocasião da Reforma, as expressões de religiosidade tinham se tornado totalmente centralizadas no homem. Isso ocorreu principalmente pela grande influência de Tomás de Aquino na sistematização do pensamento católico romano. Lutero reconheceu que a salvação se constituía em algo mais que uma mera convicção intelectual. Era, na realidade, um milagre da parte de Deus. Por isso, ele tanto pregou quanto escreveu sobre a prisão do arbítrio. Costumamos atribuir a cristalização das doutrinas relacionadas com a soberania de Deus a João Calvino apenas, mas o ensinamento bíblico de Lutero traz, com não menor veemência, uma teologia teocêntrica na qual Deus reina soberanamente em todos os sentidos. Hoje, a mensagem continua a ser necessária, pois o homem, e não Deus, continua sendo o centro das atenções. Mesmo dentro dos círculos evangélicos, a evangelização elege a felicidade do homem como alvo principal, e não a glória de Deus.
Realmente, à semelhança da Reforma, precisamos resgatar a pregação da soberania de Deus e demonstrar esta doutrina na prática de nossa vida e na das nossas igrejas.
Rev. Augustus Nicodemus (artigo baseado em material do Presb. Solano Portela)